Novo estudo aponta caminhos para romper com dinâmicas excludentes na educação das novas gerações

Assinada pelo professor Valter R. Silvério, a Nota Técnica sinaliza que a proposta no Novo Ensino Médio estimula a continuidade de hierarquias baseadas na cor das pessoas

A proposta do Novo Ensino Médio corrobora para uma visão construída historicamente do Brasil como uma nação homogênea, na qual a diversidade foi sistematicamente excluída e apagada em um processo intencional de constituir uma nação composta por um povo, um território e uma língua homogêneos. É o que afirma a nota técnica Ensino médio e relações étnico-raciais, documento elaborado por Valter R. Silvério, professor do departamento de sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e consultor da UNESCO. 

O material adiciona mais uma camada ao debate sobre o Novo Ensino Médio com o intuito de contribuir para uma compreensão mais ampla e profunda sobre a questão apresentando uma perspectiva histórica e social solidamente fundamentada. “No Brasil, o mito de que vivemos em uma ‘democracia racial ou étnica’ é o principal obstáculo para o trabalho de desconstrução dessas hierarquias de cor e para a integração real do negro na sociedade. É preciso avançar verdadeiramente para uma cidadania que considere a diversidade cultural existente na sociedade brasileira”, afirma Silvério. 

Antes mesmo de falar sobre a descontinuidade ou o aprimoramento do Novo Ensino Médio, o autor propõe compreender o que está em jogo em relação às dimensões histórico-sociais presentes na concepção, formulação e implementação no modelo de Educação Básica brasileiro, especialmente o público. Não é possível interpretar ou compreender o atual ensino médio sem considerar a forma como as elites imaginaram a nação e como as dinâmicas políticas e culturais deslocam e transformam essa imaginação, especialmente por meio de movimentos sociais que passaram a reivindicar o reconhecimento de grupos e povos presentes na formação social brasileira que foram ignorados nessa nação concebida.

Para demonstrar essa construção, o autor fez um levantamento de leis que revelam como o Brasil foi pensado enquanto nação à semelhança das nações europeias, e como as políticas públicas desenvolvidas visavam ao embranquecimento da população e a manutenção de uma hierarquia baseada na cor das pessoas. Um exemplo é o Decreto Lei n° 7.967, de 1945, que versa, em seu Artigo 2º: “Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes de sua ascendência europeia, assim como a defesa do trabalhador nacional.”

De acordo com o autor, o Brasil imaginado na política pública educacional tem sido expresso pela equação da formação do Estado nacional do século 19, ou seja, um povo homogêneo, em um território, uma língua, compondo uma nação. “Uma nova imaginação da nação exige uma concepção que atualize e expresse as mudanças das últimas décadas no cotidiano educacional, em especial no ensino médio, pois nele se encontram as nossas juventudeS“, afirma Silvério.

Para romper com as dinâmicas excludentes na educação das novas gerações, o documento dá destaque à necessidade do oferecimento de uma formação básica que incorpore a ampliação da noção de humanidade restringida pelo colonialismo, pelo racismo e pelo conhecimento hierárquico que eles geraram. Além disso, é preciso incorporar os desafios postos para processos de socialização que considerem diferentes experiências juvenis, isto é, distintas histórias com distintos cursos de vida presentes no espaço escolar. 

Como recomendação para os gestores públicos, Silvério destaca: 

  • Investir nas juventudeS, considerando a diversidade, como forma de reconhecer seu papel central no futuro do país. 
  • Formular um projeto de ensino médio com a participação democrática de jovens. 
  • Implementar as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 e diretrizes, por exemplo, para a educação quilombola. 
  • Pensar a política educacional de modo sistêmico, assegurando e responsabilizando as universidades.
  • Investir em infraestrutura física e tecnológica, formação de professores, revisão curricular e políticas de garantia de permanência e do aprendizado. 
  • Promover integração entre educação básica, cidadania e democracia

“A educação é um campo complexo, com diferentes pontos de vista e possibilidades. Não há uma solução única para os seus desafios. Apresentar a lente das perspectivas étnico-raciais é essencial para contribuir com a promoção de uma educação básica e pública de qualidade, para todos, pautada em valores como pluralismo e debate franco de ideias, democracia e liberdade de expressão, diversidade, inclusão e igualdade”, diz Antonio Bara Bresolin, diretor executivo do D³e. 

Nota Técnica

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