Dia do Professor: condições de trabalho dos docentes se refletem na aprendizagem

A centralidade do professor para a qualidade da educação brasileira é inquestionável. O Brasil tem avançado ao reconhecer a importância dos docentes e propor políticas estruturantes em relação à sua formação inicial e continuada. Embora igualmente relevantes para uma atuação de qualidade, as condições de trabalho dos professores ainda não recebem atenção semelhante no debate público. 

No 15 de outubro, quando se celebra o Dia do Professor, muito se reflete sobre o cenário de atuação desses profissionais tão importantes para a construção de um país. Esse cuidado, entretanto, não deveria ser relevante apenas na data comemorativa. É essencial garantir aos nossos docentes formação inicial de qualidade, acesso à formação continuada, boa remuneração e condições de trabalho adequadas.

A preocupação com os professores brasileiros não é nova, mas a realidade dessa classe ainda é bastante desafiadora e a discussão precisa ser aprofundada para encontrarmos formas mais efetivas de equacionar o volume de trabalho e a natureza das atividades desenvolvidas, entre outras questões. 

No relatório “Volume de trabalho dos professores dos anos finais do Ensino Fundamental: uma análise comparativa entre Brasil, Estados Unidos, França e Japão”, parceria do Dados para um Debate Democrático na Educação (D³e) com a Fundação Carlos Chagas (FCC), mostramos a importância de repensar a forma de contratação e a definição de atribuições dos professores pelas redes de ensino brasileiras.

Ao comparar condições relativas ao volume de trabalho docente no Brasil com outros países, fica evidente a complexidade da nossa realidade e a necessidade de aprimorar essa questão estrutural, extremamente importante para o aprendizado dos estudantes. De modo geral, a situação do Brasil é muito desfavorável em relação aos países analisados — Estados Unidos, Japão e França. 

Os autores do estudo — Gabriela Moriconi, Nelson Antonio Simão Gimenes e Luciana França Leme — defendem que a forma de contratação deve considerar a possibilidade de dedicação exclusiva e com salário equiparado à média de outros trabalhos que exigem a mesma formação. Assim, seriam criadas condições para uma maior integração do docente a uma comunidade escolar. 

Para eles, é necessária uma mudança no paradigma de contratação e definição de atribuições dos docentes por parte das redes de ensino brasileiras. “É preciso que as redes empreendam esforços para que os professores sejam cada vez menos tratados como ‘fornecedores de aulas’ e, cada vez mais, como professores de uma unidade escolar”, afirmam os autores do relatório.

Saiba mais: Relatório apresenta recomendações para repensar o volume de trabalho docente nos anos finais do ensino fundamental

Condições de trabalho dos professores dentro e fora do Brasil

Nos sistemas educacionais de Estados Unidos, França e Japão, escolas regulares funcionam em turno único e professores possuem um contrato de trabalho com um único empregador, atuando, salvo raras exceções, em tempo integral em uma única escola. 

Enquanto isso, a maioria das escolas brasileiras que ofertam os anos finais do ensino fundamental funciona em pelo menos dois turnos e cada empregador define as jornadas de trabalho por meio das quais contrata seus professores, tendo como referência os tempos de aula que irão compor os turnos, exercidas em uma ou mais escolas e em uma ou mais etapas de ensino. Além disso, no Brasil, é permitido ao docente ter outro emprego, inclusive em outra rede.

Em relação às atribuições dos professores, embora exista um conjunto básico de obrigações comuns nos quatro países, também há diferenças em relação às atividades desenvolvidas por esses profissionais. 

No Japão e nos Estados Unidos, é comum que os professores sejam responsáveis por atividades extracurriculares, bem como atividades de apoio à dinâmica escolar, como recepção de alunos na entrada e supervisão no intervalo — tarefas assumidas somente em casos excepcionais no Brasil e na França. 

Exceto no Brasil, nos países estudados, também é comum que os professores assumam responsabilidades adicionais, como a coordenação de um ano ou série, de uma disciplina ou de uma turma. 

Outro dado interessante tem a ver com a quantidade de disciplinas lecionadas, conforme mostra o gráfico abaixo:

O Brasil tem a maior heterogeneidade de resultados e, por isso, os profissionais brasileiros enfrentam níveis bem distintos de complexidade na realização do seu trabalho. Enquanto parte dos docentes leciona apenas para os anos finais do ensino fundamental, em uma única escola de uma única rede, outra parcela significativa leciona em duas ou mais etapas, escolas ou redes. Embora a maioria ensine apenas uma disciplina, há ainda uma considerável parcela responsável por duas ou mais. Por outro lado, os docentes japoneses e franceses lidam com um nível de complexidade bem menor e uma realidade mais homogênea, se considerados esses fatores.

Recomendações para limitar o volume do trabalho docente e melhorar a gestão de pessoas nas redes e escolas

A forma de contratação de professores deve considerar a possibilidade de dedicação exclusiva e com salário equiparado à média de outros trabalhos que exigem a mesma formação. Assim, seriam criadas condições para uma maior integração do docente a uma comunidade escolar. Para limitar o volume de trabalho docente e melhorar a gestão de pessoas, das redes e das escolas, o estudo recomenda: 

  1. Reservar um tempo adequado para atividades pedagógicas fora da sala de aula. Em um primeiro momento, garantir um terço da carga de trabalho, como previsto na Lei do Piso Salarial de Professores.
  2. Oferecer condições para que esse tempo fora da sala de aula seja utilizado no ambiente escolar, o que demanda adequação do espaço físico e aquisição de equipamentos e materiais. 
  3. Garantir condições e interesse para que o docente se dedique exclusivamente a uma escola, preferencialmente em tempo integral.

Para que esses três pontos se tornem realidade, não basta a rede de ensino concentrar a carga horária do professor em apenas uma escola. Como os docentes podem ter mais de um emprego, a rede não conseguirá garantir a permanência desses profissionais em apenas uma unidade escolar, a não ser que eles sejam contratados com a exigência de dedicação exclusiva. 

Desse modo, surgem outras recomendações:

  1. Contratar professores com a exigência de dedicação exclusiva.
  2. Oferecer uma jornada de tempo integral, com uma remuneração que se aproxime da média das outras ocupações que requerem o mesmo nível de formação no mercado de trabalho local. Isso pode aumentar as chances de que os profissionais aceitem se dedicar com exclusividade.

Se tais recomendações forem adotadas de forma conjunta, além de representarem uma mudança de paradigma em relação ao trabalho docente, os autores acreditam que serão observados efeitos sobre o número de turmas e o número total de alunos por professor.

Recomendações para reduzir o número de turmas dos professores brasileiros

Enquanto professores dos Estados Unidos, Japão e França têm, geralmente, menos de 200 alunos no total, podendo chegar, no máximo, a 280, no Brasil, 35% dos professores de matemática e 60% de língua estrangeira são responsáveis por mais de 200 estudantes, no total.

Inspirados pelas alternativas adotadas nos países do estudo, para reduzir o número de turmas, os autores recomendam:

  1. Modificar a organização da grade curricular, mantendo o número de aulas atual, mas flexibilizando o período de cumprimento durante os anos finais do ensino fundamental.
  2. Viabilizar e valorizar a obtenção de dupla licenciatura dos professores.
  3. Substituir parte da carga de aulas por outras responsabilidades no âmbito escolar, tais como ser responsável por uma turma ou coordenador de uma área do conhecimento. 

Adicionalmente, recomenda-se reduzir as turmas com mais de 30 estudantes, especialmente nas escolas com mais proporção de alunos com desempenho acadêmico e/ou nível socioeconômico baixo.

Acesse o relatório de política educacional.
Se preferir, confira o resumo do relatório.