Relatório apresenta recomendações para repensar o volume de trabalho docente nos anos finais do Ensino Fundamental

Volume de trabalho dos professores dos anos finais do ensino fundamental

Beatriz Vichessi

 

Marília é professora de Inglês em escolas públicas no Brasil. Dá aulas em duas escolas: uma da rede estadual e outra da rede municipal da localidade onde mora. Atualmente, leciona para 12 turmas do 8o. ano do Ensino Fundamental ao 3o. ano do Ensino Médio, em classes com 30 estudantes, em média. Isso significa que, no total, ela é responsável por mais de 350 alunos. 

Ela organiza sua semana para lecionar, planejar e corrigir tarefas, além de participar dos momentos coletivos nas escolas. Não sobra tempo para mais outros fazeres importantes do trabalho docente e que impactam positivamente na qualidade do ensino e da aprendizagem. 

Marília poderia atuar como coordenadora de uma série, de uma disciplina ou de um tema, ser responsável por acompanhar uma turma de perto, por exemplo. Mas essas opções não existem nas redes em que leciona, onde as jornadas de trabalho são ocupadas quase que totalmente pelas aulas. 

Por causa da vida corrida, entre uma escola e outra, Marília também não tem muitas condições de conhecer seus alunos mais de perto, individualmente, e para pensar em estratégias para apoiar a aprendizagem deles de acordo com suas necessidades específicas.

Marília é o nome de uma professora fictícia, que poderia ter qualquer outro nome e trabalhar em muitos lugares do Brasil. Mas a rotina dessa personagem é real, baseada em dados levantados pelos pesquisadores Gabriela Moriconi, Nelson Antonio Simão Gimenes e Luciana França Leme, e reunidos no relatório Volume de trabalho dos professores dos anos finais do Ensino Fundamental, realizado pelo D3e em parceria com a Fundação Carlos Chagas (FCC). A principal fonte de dados usados no documento provém da pesquisa Teaching and Learning International Survey (TALIS) de 2018, coordenada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

O cenário em que Marília leciona existe há muitos anos no país e reúne características delicadas, próprias de uma realidade que deriva de estruturas históricas. Ao mesmo tempo, é um cenário que precisa ser repensado. “As condições de trabalho dos professores refletem nas condições de aprendizagem dos estudantes, por isso analisar este aspecto é fundamental para contribuir com a elaboração ou aprimoramento de nossas políticas educacionais”, diz Gabriela. 

 

Como funciona fora do Brasil

Para ampliar a reflexão sobre o sistema educacional no Brasil, é interessante conhecer a situação em outros países. O relatório apresenta uma comparação de indicadores que revelam as condições e especificidades do trabalho do docente no Brasil, Estados Unidos, França e Japão. 

O que determina com maior peso o volume de trabalho docente são a forma de contratação dos professores e as atribuições deles. 

Por aqui, como vimos no caso de Marília, a professora fictícia, a forma de contratação mais comum é em tempo parcial para uma ou mais escolas – somente 27% deles trabalham em uma só escola, em regime integral. E eles raramente assumem responsabilidades extra-aula. Quando existe a figura do responsável por turma, por exemplo, a tarefa geralmente inclui cuidar de aspectos burocráticos e da mediação entre a turma e a direção ou outros docentes. O vai e vem docente entre diversas escolas e salas de aula também faz com que 35% dos professores de matemática e 60% de língua estrangeira atendam a mais de 200 alunos no total.

Nos Estados Unidos, França e Japão, os docentes são contratados de forma prioritária em tempo integral (97%, 83% e 91%, respectivamente) para que atuem numa só escola e nela assumem outras responsabilidades junto à comunidade escolar. Essas características impactam na quantidade de alunos: professores desses três países têm, geralmente, menos de 200 alunos no total, podendo chegar, no máximo, a 280. 

Outro dado interessante tem a ver com a quantidade de disciplinas lecionadas, conforme mostra o gráfico abaixo: 

Comparados com EUA e Japão, França e Brasil têm as maiores proporções de professores que lecionam apenas uma disciplina no EFII.

Reunindo todos os dados do relatório, fica nítido que o Brasil tem a maior heterogeneidade de resultados e por isso os profissionais brasileiros enfrentam níveis bem distintos de complexidade na realização do seu trabalho. Enquanto parte dos docentes leciona apenas para EFII em uma única escola de uma única rede, outra parcela significativa leciona em duas ou mais etapas, escolas ou redes. E embora a maioria ensine apenas uma disciplina, há ainda uma considerável parcela responsável por duas ou mais. São os docentes japoneses e franceses que lidam com um nível de complexidade bem menor e uma realidade mais homogênea se considerados esses fatores.

Vale ressaltar que o relatório não afirma que os brasileiros têm maior carga horária. Sobre esse aspecto, os japoneses são os que têm a maior quantidade de horas por semana dedicadas ao trabalho. 

 

Como repensar o cenário 

Os dados levantados no relatório apontam três caminhos para limitar o volume de trabalho docente. O primeiro deles tem a ver com a garantia de tempo para atividades pedagógicas fora da sala de aula, inicialmente, com um terço da carga de trabalho, como previsto na Lei do Piso, para todos os que lecionam. O segundo caminho diz respeito a oferecer condições para que o tempo fora de classe seja usado no próprio ambiente escolar. E a terceira recomendação trata de garantir condições e interesse para que os docentes se dediquem exclusivamente a uma escola, preferencialmente em tempo integral.

Para os pesquisadores que assinam o relatório Volume de trabalho dos professores dos anos finais do Ensino Fundamental, a forma de contratação de professores precisa ser revista pelas redes de ensino, considerando a jornada exclusiva em uma escola, em tempo integral, bem como as atribuições que cabem a eles. O salário, consequentemente, tem de ser recalculado, de forma a ficar em equivalência com a média de outros trabalhos que exigem a mesma formação. 

O relatório ainda aponta sugestões para reduzir o número de turmas por professor: mudança da grade curricular, promoção e valorização da dupla licenciatura dos professores e troca de parte da carga de aulas por outras responsabilidades na escola, como ser responsável por uma turma de alunos.