Evidências do D³e pautam debate sobre PL 573/2021 da Câmara de SP

Audiência Pública PL 573/2021

O Projeto de Lei 573/2021 foi tema de audiência pública na Câmara Municipal de São Paulo na última terça-feira, 9 de agosto. De autoria dos vereadores Cris Monteiro (Novo), Rubinho Nunes (União) e Fernando Holiday (Novo), o Projeto de Lei 573/2021, se aprovado, autoriza o Poder Executivo de São Paulo a implementar o sistema de gestão compartilhada em escolas de ensino fundamental e médio da rede pública municipal de educação em parceria com organizações da sociedade civil sem fins lucrativos.

Lara Simielli, diretora de Conhecimento Aplicado do Dados para um Debate Democrático na Educação (D³e), foi uma das convidadas da sessão e apresentou evidências científicas para qualificar o debate em torno da proposição. Na ocasião, ela destacou as principais conclusões da Síntese de Evidências Escolas Charter e Vouchers: o que dizem as evidências sobre subsídios públicos para entidades privadas em educação?, fruto de uma parceria entre o D³e e o Todos pela Educação.

Não há nenhuma evidência de que a iniciativa tenha funcionado em outros países. Passar a gestão da escola pública para entidades privadas não tem nenhum impacto na qualidade da educação. O mais grave é que existem evidências de que esse modelo aumenta a desigualdade do sistema”, explica Lara Simielli.

Conheça as principais evidências científicas sobre subsídios públicos para entidades privadas em educação e os impactos negativos da adoção do modelo no município de São Paulo


A síntese é de autoria de Martin Carnoy, professor da Faculdade de Educação da Universidade Stanford (Estados Unidos) e ex-presidente da Sociedade de Educação Comparada e Internacional (CIES); e de Lara Simielli, que também é professora do Departamento de Gestão Pública na Fundação Getulio Vargas (EAESP/FGV).

Saiba mais: Gestão compartilhada em escolas da rede municipal é debatida em audiência pública

O que são escolas charter e vouchers?

Entre as políticas de escolha educacional, existe o processo de escolha dentro do sistema público, que engloba iniciativas de matrícula livre em qualquer escola pública; e também o sistema de escolha de mercado, o qual envolve formas de subsidiar escolas privadas com dinheiro público, incluindo vouchers e escolas charter, para que algumas escolas particulares possam competir com escolas públicas.

Vouchers são bolsas de estudo financiadas pelo setor público para que os alunos paguem as taxas de instituições privadas de ensino. Os pagamentos podem ser feitos diretamente para as famílias ou indiretamente para escolas privadas selecionadas (privadas, com ou sem fins lucrativos).\

Eles podem ser implementados de maneira universal (para todos os alunos) ou de maneira focalizada (geralmente priorizando os estudantes mais vulneráveis ou com necessidades especiais). Esses programas têm longa história em países como Chile, Suécia, Colômbia e EUA.

Já as escolas charter são escolas privadas financiadas pelo setor público sob condições que variam muito entre diferentes localidades, geralmente com menos restrições e regras burocráticas do que as escolas públicas.

É, portanto, uma escola privada que opera sob um contrato específico (o contrato charter) entre quem gere a escola (pais, professores, uma empresa com fins lucrativos ou uma organização não governamental) e quem regulamenta o sistema.

Um elemento-chave para a compreensão das escolas charter e seu impacto no desempenho do aluno e na equidade educacional é avaliar o tipo e o grau de responsabilidade exigidos das escolas por parte do governo.

Evidências sobre a gestão educacional compartilhada

Agora que definimos os conceitos, podemos aprofundar o debate. Afinal, subsídios como os propostos pelo PL 573/2021 funcionam? O que dizem as evidências em relação ao desempenho dos alunos e à equidade do sistema?

As evidências sistematizadas pelo D³e apontam para três conclusões principais: há um impacto nulo ou muito baixo das escolas charter sobre o desempenho dos estudantes; os vouchers têm maior impacto do que as escolas charter (nos EUA) e ambas as políticas aumentam a desigualdade.

Para chegar a essa conclusões, os autores da síntese de evidência definiram uma metodologia para a seleção dos artigos. Como recurso de pesquisa, foram utilizadas duas bases de dados internacionais com maior reconhecimento na comunidade científica: Web of Science e Scopus.

Com base em palavras-chave, foram selecionados 848 artigos, publicados entre 2012 e 2021. Dessa lista, foram selecionados 56 com base em dois critérios: a qualidade da revista (focando os periódicos com melhores indicadores de qualidade) e a relevância dos artigos (de acordo com o número de citações).

A segunda etapa foi complementada por um olhar mais analítico e qualitativo, buscando também identificar artigos mais recentes (que poderiam ser relevantes, apesar do baixo número de citações) e artigos com foco em experiências para além do caso dos EUA (que é o país com maior produção na área, consequentemente gerando maior número de citações entre os estudos).

Ao final, foram selecionados dez artigos para leitura e sistematização, priorizando aqueles que fizeram revisões sistemáticas ou metanálises sobre o tema, por incorporarem as principais produções e os acúmulos no tema. Com base nesses estudos, a síntese de evidências sistematizou conclusões referentes a aproximadamente 150 artigos produzidos nos EUA e três estudos de caso para além da experiência norte-americana: Chile, Colômbia e Suécia.

Essa evidências revelam:

>> Impacto nulo ou muito baixo das escolas charter sobre o desempenho dos estudantes

Em relação ao impacto sobre a qualidade, há um entendimento de que introduzir mecanismos de competição entre as escolas (entre escolas públicas ou entre escolas públicas e charter) tem um impacto baixo e positivo sobre a aprendizagem dos estudantes.

Para chegar a essa conclusão, um grupo de pesquisadores levantou mais de 9 mil artigos produzidos sobre o tema e selecionou 92 para analisar as evidências, com base na experiência dos EUA. Outros estudiosos analisaram dezenas de estudos rigorosos sobre a experiência estadunidense e concluíram que, na maioria das vezes, há efeitos mistos, pouco conclusivos ou nulos para as escolas charter.

>> Vouchers têm maior impacto sobre a aprendizagem do que as escolas charter

Nos Estados Unidos, os vouchers têm apresentado maior impacto do que as experiências charter. Por outro lado, em outros países, como o Chile, há um impacto nulo ou pequeno dos programas de voucher sobre a qualidade da educação.

>> Há um impacto importante sobre a segregação e a estratificação do sistema

Nos EUA, quanto mais agregados os dados, menor o impacto sobre a aprendizagem, ou seja, há evidências de impacto positivo quando os dados são analisados no nível dos alunos, mas o impacto torna-se nulo em análises agregadas. Nesse sentido, podemos entender que a competição entre as escolas pode beneficiar alguns alunos de maneira individual, mas não traz benefícios para a rede de ensino como um todo.

Tanto nos EUA quanto na Suécia, observou-se que aumentar a escolha tende a gerar escolas mais segregadas em termos raciais. Na Suécia, por exemplo, estudantes nascidos no país buscaram escolher escolas mais distantes caso seu local de residência tivesse maior proporção de alunos imigrantes ou mais vulneráveis em termos socioeconômicos.

No Chile, também houve consequências negativas da política de vouchers sobre a equidade do sistema, baseadas na adoção de práticas de seleção de alunos com base no desempenho e na disciplina e gerando aumento da disparidade de desempenho entre alunos de alto e baixo nível socioeconômico. Nesse sentido, a possibilidade de escolha irrestrita no Chile aumentou a estratificação do sistema, cujas escolas públicas passaram a ter maior probabilidade de atender alunos mais vulneráveis do que escolas privadas com vouchers.

A importância de políticas baseadas em evidências

O ensino público é o responsável pela formação da maioria das crianças brasileiras — um percentual pequeno de estudantes está matriculado no ensino privado, em âmbito nacional. Nesse sentido, para Lara Simielli, é muito importante que esforços sejam feitos no sentido de fortalecer o ensino público, dada a sua centralidade para a garantia de uma educação de qualidade para todos os alunos.

O Projeto de Lei 573/2021 quer implementar o sistema de gestão compartilhada na rede pública de São Paulo, mas não há evidências robustas que apontem melhoria na qualidade de educação quando se adota esse tipo de gestão ou subsídio. Os dados mostram, por outro lado, que há um aumento da segregação e estratificação do sistema.

“O PL 573/2021 não tem embasamento nas evidências que foram produzidas internacionalmente em relação a subsídios públicos para escolas com gestão privada. Acho preocupante que esteja sendo avaliado implementar, no município de São Paulo, uma política que já se mostrou ineficiente em outros lugares. Há amplas evidências sérias e robustas nesse sentido. Caso o projeto de lei, seja aprovado, fica claro que existe uma opção por aprovar uma política apenas com base na ideologia, mas não em evidências robustas”, defende Lara Simielli.

Confira o conteúdo completo da Audiência Pública Comissão de Educação, Cultura e Esportes da Câmara Municipal de São Paulo