David Plank e convidados debatem uso de evidências nas políticas públicas brasileiras

Como potencializar o uso de evidências nas políticas públicas? Essa pergunta conduziu a roda de conversa realizada pelo Dados por um Debate Democrático na Educação (D³e) na sede do Inova USP, na tarde de 17 de novembro. O encontro fez parte da programação oficial da Semana de La Evidencia.

Para falar sobre especificidades do momento atual, de aprendizados internacionais e dos desafios para o Brasil, o D³e convidou David Plank, professor emérito na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e co-diretor do Lemann Center; Marcelo Issa, fundador da Pulso Público; e Natália Sant´Anna, consultora de advocacy da associação.  

Na plateia, estavam representantes de organizações comprometidas com a educação brasileira, como Movimento Pela Base, Conectas, Instituto Sonho Grande, Instituto Canoa, Peregum, Itaú Educação e Trabalho e Todos Pela Educação. Os participantes tiveram a oportunidade de fazer perguntas e compartilhar experiências.

Lição 1: evidências científicas precisam circular de forma acessível.

David Plank abriu a roda de conversa respondendo a duas perguntas: por que as evidências científicas não informam as políticas públicas e como podemos ampliar seu impacto no debate sobre educação?

Fundador do D³e, onde integra o Conselho Consultivo, Plank também foi diretor do Policy Analysis for California Education (PACE), centro de pesquisa independente e não partidário. Desde 1983, o PACE preenche a lacuna entre pesquisa, política e prática, trabalhando com estudiosos das principais universidades da Califórnia e com tomadores de decisão estaduais e locais para alcançar melhorias no desempenho e resultados mais equitativos em todos os níveis do sistema educacional da Califórnia, desde a primeira infância até o ensino e a formação pós-secundários.

Para Plank, vivemos em um mundo polarizado, onde cada um de nós chega ao debate público com ideias pautadas em nossas próprias experiências e em preferências ideológicas, difíceis de mudar com argumentos científicos. Logo, trazer a evidência científica para a cena é um desafio. Traduzi-la em uma linguagem compreensível e acessível fora da academia, então, é um desafio ainda maior.

“A maioria das pesquisas fica dentro da universidade e, quando sai, é publicada em uma língua incompreensível para os não acadêmicos,  em forma de relatórios de 50, 100 páginas que ninguém vai ler. Então, as evidências vindas das pesquisas raramente chegam ao debate público porque ninguém consegue compreendê-las”, argumentou o professor. 

Nesse sentido, Plank explicou que o objetivo central de instituições como o PACE e o D³e precisa ser a acessibilidade. “Não dá para copiar um artigo acadêmico e mandar para um político, porque ele não vai ler, não vai entender, não vai fazer nada. Temos de, primeiramente, adaptar esse conhecimento e mudar da linguagem acadêmica para a linguagem do cidadão comum, do político”. Plank também defendeu a diversificação dos produtos, para além de relatórios de 20 páginas. Nesse sentido, sugeriu documentos curtos, com argumentos apresentados em tópicos, uso de gráficos e fotos. 

Outra defesa do professor é que esses relatórios e documentos mais curtos incluam recomendações para as políticas públicas. “Precisamos construir a capacidade de dar respostas rápidas, porque as questões de hoje não são as questões de dois anos atrás. Temos de nos adaptar para apresentarmos evidências com qualidade e agilidade e, assim, contribuir para o debate de hoje”, definiu.

Aliás, essa é outra explicação para as evidências não pautarem as políticas públicas. Segundo Plank, uma pesquisa depende de um ano ou dois para ser concluída, mas os mandatos são curtos. Os políticos precisam de informação hoje. “Fazer pesquisa para influenciar o agora não é possível. A gente pode antecipar as questões para criar evidências para quando o tema entrar na pauta”, sugeriu. 

Plank acredita, ainda, que a subutilização de dados tem dois lados. Um deles tem a ver com os políticos não terem interesse nas pesquisas. O outro está relacionado ao fato de os pesquisadores não fazerem pesquisas que informam o debate público. “Na minha opinião, quando entram no debate, é mais para criticar os políticos do que para melhorar a discussão e a política educacional. Necessitamos recrutar e cultivar uma rede de pesquisadores que tenha vontade de contribuir”, afirmou o professor. 

Lição 2: é preciso levar as evidências até as pessoas certas.

O uso de evidências para advocacy dentro do sistema político brasileiro foi outro tema abordado durante o encontro. Marcelo Issa, fundador da Pulso Público, falou sobre como os governos utilizam os dados que eles mesmos produzem para formular e implementar políticas públicas. 

Segundo Issa, historicamente, ou pelo menos desde a redemocratização, há grandes empresas que contratam consultorias para fazer o processo de monitoramento e de profissionalização da incidência política. Nesse contexto, a dimensão da pesquisa, da produção de dados por organizações orientadas pelo interesse público, e não pela geração de lucro, é fundamental e precisa ser parte da estratégia de advocacy dessas organizações. “Isso tem uma consequência positiva muito grande para a democracia. Essa atuação acaba fortalecendo a transparência e a abertura dos próprios governos”, pontuou. 

O especialista defendeu a diversificação dessa interlocução. “Toda organização da sociedade civil que queira fazer esse trabalho precisa fugir realmente dessa associação com um campo ou outro em um cenário tão polarizado para que, a partir de evidências e de posicionamentos ‘impessoais’, possa, de fato, ter relevância”, esclareceu. 

A consultora de advocacy do D³e, Natália Sant’Anna, contribuiu com a roda de conversa abordando o desafio de dialogar com um determinado setor sem estar ligado a ele partidariamente. Para Sant’Anna, a desigualdade brasileira se reflete na política: não são todas as organizações e pessoas que sabem como acessar ou quem acessar no governo, ou que têm meios para fazê-lo. 

“O dado não tem partido, mas a gente sabe quem vai nos ouvir mais. Precisamos saber também como chegar e como abordar as pessoas certas. Nesse sentido, a comunicação é essencial. Devemos recorrer a verbos diretos, documentos curtos com tabelas simples e representações gráficas”, declarou Natália, para quem esse produto novo derivado das pesquisas, com outra forma de dizer o que se apreendeu, também é um aprendizado para os pesquisadores.

Lição 3: a demanda por dados e por políticas informadas por evidências é crescente.

É consenso entre os três convidados que há demanda por informações qualificadas e para  políticas informadas por evidências. Para a consultora, há, inclusive, uma demanda represada de diálogos com gestores que deve aparecer no próximo governo, o qual se mostra mais aberto ao debate baseado em evidências.

No Legislativo, segundo Issa, há muitos parlamentares que demandam dados, mas com uma ressalva de que venham com recomendações assertivas. “É como se pedissem: ‘me digam o que eu devo fazer e como eu devo fazer’”, compartilhou. 

Para que essas políticas resultem em melhorias no campo educacional, é fundamental investir em trocas e colaboração entre diferentes áreas do conhecimento e seus atores. É nesse contexto que o D³e vem atuando. Desde 2018, a associação civil sem fins lucrativos colabora para o aprimoramento do debate educacional e para a qualificação do uso do conhecimento científico no desenvolvimento de políticas públicas, contribuindo para a promoção de uma educação equitativa e de qualidade no Brasil.

O D³e investe na coordenação de esforços e na articulação de atores para a promoção da diversidade de pontos de vista e a qualificação do processo democrático de debate na educação, a exemplo da promoção da roda de conversas. “Esse é um dos caminhos para transformar a realidade das políticas educacionais. No Brasil, há espaço para avanços e encontros como este, para diálogos e reflexões, podem ser uma forma de estimular e contribuir para a mudança pretendida”, concluiu Antonio Bara Bresolin, diretor executivo da associação.